Aos encontros
O cheiro de óleo
Que agora banha as lembranças tropicanas
Desta impossível memória
E então papai para o carro
Na garagem
Enquanto tocam aquelas músicas
Regionais de sempre
E tão ensolaradas
As mamães conversam
E existo nelas.
Paredes de vidro
Sopram na noite esperança
Sobre o sagrado respirar
Daqueles que estão à beira
Das escadas
No canto que preenche
Os rostos felizes de companhia
No caminho de um silente
Irrompem outras alegrias irreparáveis
Ambos iludem-se com a chegada
Mas, verdade seja feita:
A partida sempre chega.
Haja esperança.
Um passeio
E desfaz, no tempo, o contato das horas
Diz-me um pouco prontos ditos
E despede dos olhos o sono esquecido.
Planta comigo uma planta
E conta os dias que crescem
Deixe-me olhar os olhos
Como se olvidar fosse impossível.
Anda ainda alguns passos
Me deixe escolher abraçar suas mãos
Desdiz do espaço o efeito
Num sol de retorno do meio.
Cansa, pois, um minuto
Pois há muito já me acompanha
E eu, finalmente, espanto
A solitude
E descanso em nós sinceramente.
Calo
Perdi seu sorriso na última frase.
Nós ainda ríamos, onde
pois, pararam os seus olhos?
Navega um outro porto
Interno ou tão distante
Como esse espaço, tão chegado
Que sempre nos diz um lugar
Onde os afetos são pavios
Em apagando-se.
Eu o leio, distante é a pessoa
De meu verbo -
Eu o leio como se lê num idioma desconhecido
Mas esse seu coração -
Peregrino distante,
É de antes um conhecido meu...
Ternos afetos
Descansam em outra estrutura, pois
Agora: onde foi parar sua alma?
Porque pesam teus olhos?
Volta a sorrir.
Helena
Casada num recôndito celeste
Os sorrisos de vida sem métrica:
Não conto seus dedos -
Mas esses sorrisos cantavam seu nome,
Helena.
Por que me deparo à lembrança hoje?
Esse novo tipo de lar me desenha a memória sempre ali,
com olhos mudos,
futuro adiante.
Combinei-me com o por-do-sol
e não há por aqui cor alguma
a ser comparada com aquela que enfeitava tuas feições
sem esquecimento.
Sorrio, breve.
A cantata antiga então ressoa,
ela canta o mesmo refrão.
Esta noite cantarão ainda meus lábios,
Tua doce cor
Ou um nome eterno, por onde me encontro:
Helena.
Ecos de ruptura
Mas a rua está acordada
E eu recordo as alegrias.
Gosto do calor e da falta de hora para dormir
Gostos das pessoas nas ruas, até baixas horas
Gosto das férias
E dos dias de filme enquanto estamos os amigos todos bronzeados.
Gosto de viver.
Mas eu gostava ainda de outras liberdades
Que hoje descobri serem prisões -
Preciso dormir e deixar sem pressa
A realidade que me empurrou para longe de si, com os dois pés.
Reuniões de professores
"Professora Joyce, o que é uma ressalva?"
"É uma anotação que fazemos aqui embaixo quando cometemos um erro na escrita."
Suntuoso silêncio
Estava sentada no banco do passageiro quando viu a amiga-motorista chorando a possível descoberta da desilusão. Pela amizade tão terna, a família confiava-lhe um lugar à mesa, e o rosto delicado de sua amiga era mesmo como o de uma cena de filme inesquecível, mas nunca a cena lhe parecia tão nitidamente o eco da dor. Não desejava fugir daquela dor.
Estava recostada em um cadeira quando ouviu sua voz. Naquele dia não havia algo semelhante aos dias em tanto parecidos. Os cabelos brancos estavam ali para dizer que os dias já não eram iguais. Aquela voz era de anos parente próxima, porém sempre distava daquela dos anos laranja e também de seus ouvidos.
A vida é o único solo sobre o qual se pode pisar e ainda pisar diferente, onde se pode esquecer o nome sem esquecer o rosto e morar em moradas distantes. O único chão onde os passos adentram novas esquinas e onde as realidades existentes finalmente despertam de seus sonhos, regados a sono leve.
Serviço Público
Para que comprar o Nescau
E o colocar à mesa
Se o olhar não dançar um pelo outro?
De que adianta entregar a toalha
Talvez esquecida de propósito
Se já não se encontram as mãos?
Qual é a alegria do encontro no sofá
Se o calor dos corpos não aproximam
E os ouvidos não voam ao encontro do relato do dia?
O amor cresce em gratidão
E também preenche o sentido da volta para casa.
Os sorrisos singelos
E as palavras repetidas outrora
Ainda mais sinceras agora
Se perdem pelo ar como a poeira no sol da janela
Desnudado desde muito antes: amor só é amor
Quando existe vida compartilhando vida
Até em noites de sono profundo e cansaço cotidiano,
Amor é a existência conjugada no outro.
Chambon
Para dançar
Lento
Sobre o violino esquecido
os meus dedos desprovidos de ideia.
Camadas
A parte mais importante: uma estrela avisou os três homens. Não era inverno. Eu não estava lá.
Das datas ditas especiais
Quando o silêncio a dois não se torna incômodo.”
Quando o silêncio a dois se torna cômodo.”
Confissão da falta
toda estação
Para os noivos
Porque não enxerga no outro
Falta do belo
Imperfeição
O amor é cego
Porque quando Liégina olhou os olhos de Marcílio
Todas as a janelas de sua casa se fecharam aos outros vizinhos
E somente para ele se abriram
Em perene verão.
Para não se perder
Uma casa limpa
Em algum lugar sagrado
Um grande amor assim
Em algum lugar sagrado,
Bem maior que aquele amor-sem-fim
Onde te encontro
Perdido na canção
Tocando sempre sempre de saudade
Serenatas de um mesmo violão
Buscando o teu olhar.
Além dos quatro mil cantos desse mundo
Existe um lugar:
Nascente água,
Sertão de fogo,
Anjo da terra,
Paixão no ar,
Estrela minha,
Luz que me guia:
Onde te ver,
Como te ouvir?
Sei que vou te encontrar
bem perto de um lugar sagrado,
Muito além da imaginação
Meu sonho antigo
Guardado em oração
Amor plangente de saudade
Pelas cordas do meu violão
Sei que vou te encontrar.
Além dos quatro mil cantos desse mundo
Existe um lugar:
Nascente água,
Sertão de fogo,
Anjo da terra,
Paixão no ar,
Estrela minha,
Luz que me guia:
Onde te ver,
Como te ouvir... amor?
a mulher da loja
minhas palavras.
Correio domiciliar
Propositalmente buscara as correspondências em espera da surpresa familiar atrasada por mim alguns meses. Rios de papéis caindo pelo caminho que formavam outro caminho para confirmar o desvio para o bem dos pés.
É noite
Imenso destino
Só contemplação.
Levantou-se do banco e deu de cara com mamãe.
Perda
Chegada a irmandade desabraçada das paixões - os panos já não caem da superfície, os cabelos já não dançam com as mãos, as íris não tingem o horizonte.
Só
Brilho opaco
Perdidos, nunca achados.
Cacos - e nem sequer o chão.
decorar resposta para meu irmão
Das leituras
Escrever é dar adeus
Entregar um filho aos braços de outro alguém
É deixar de ser para ser...
desencontro
Eu vi um homem sentar-se durante quatro meses na mesma mesa e pedir as mesmas coisas nos mesmos dias repetidos e em nada repetidos a cada semana. Vi a atendente tornar crônica aquela situação e também surpresa dele ao descobrir sua rotina. Complacência e preferência não são coisas que se premeditam.
Eu vi um homem que viajava pelo Peru, fotografando o Machu Picchu, com uma câmera na mão. Sua cara de descoberta na vida não tinha preço. Eu podia ter tirado uma foto, mas algumas coisas não cabem nas fotos. Guardei comigo suas feições de busca e desencontro e segui a vida.
Eu vi também um homem no show de um ex-Los Hermanos. Ele parecia contente e sereno, como alguém que sente a idade e descobre os tesouros retidos com os anos que passaram. Talvez estivesse perto dos trinta. Eu o vi, mas como as noites não duram eternamente, nos fomos sei lá por quais caminhos.
Eu vi um homem na capital de minha mocidade, dando aula numa sala abarrotada de pessoas; uns alunos, outros não. Seus olhos, os do homem ao quadro, eram banhados de uma cor viva e sua fala abafada por umas notas graves que confirmando calma e segurança. Tinha a segurança daqueles que estão certos de que podem sempre mudar. Os olhos das meninas também brilhavam, e enquanto eu passava pude concluir que nem sempre é tão impossível que dois astros estejam tão perto antes do meio-dia em maio.
Eu vi um homem na cidade de meus sonhos. Ao lado da foto da personagem de um dos filmes que mais gostava, num restaurante aconchegante; eu o vi ali, onde outrora seria meu lugar. Mas seus olhos sabiam da superfície. Imaginei-me nele e pensei que aquela cidade não lhe seria o suficiente. Como tivesse me dito, eu viajei por onde ele viajou, mas ele não era o mesmo e eu também não sou, eu já não era. Ele desmediu esforço e vigor, cansaço e espaço e eu vi o tempo se desfazer sem me mover. Nada do que me fora dito subsistiu ao ver seus olhos de novo, agudos de luz amarelo-queimada do sol que bate, único, no horizonte do planalto. Finalmente pensei ter visto seu sorriso para mim.
Mas o sonho se foi sem acordar.
Eu vi um homem na esquina, parado, num elefante. Mas eu passei, ele seguiu, nós partimos. Deixei aquele homem. Ele nunca me viu. Não nos conhecemos.