para ele

ainda há muitos planos, lugares, viagens, desejos
mas nada disso importa agora,
a resposta está no berço.

há também minha fraqueza, desgosto,
o medo e a paralisia,
sou muito novo, já me digo,
mas agora a resposta está no berço.

sem experiência ou qualquer expectativa,
tão cedo meu filho veio
e para as minhas dúvidas 
a resposta está no berço.

e para o que vier, quando vier, de onde vier, afirmo:
vou enfrentar o medo,
porque somos mais do que dois
e a resposta disso tudo está no berço.

Nos dias curtos
Amanhece tarde
Dorme cedo, a cidade
E encurta-se meu coração

Nos dias curtos
O céu é mais sombrio
Logo o sol se vai
E eu também vou indo

Nos dias curtos
nos cansamos mais
A vida breve, e zonza,
Vai cambaleando até a mesa de jantar
E à hora de dormir
E eu canto assim

Vem logo, dia sem fim
Minha sede é te encontrar
Meu amor se dá no tempo de qualidade
E o que eu quero é eternidade

lembranças

Uma das minhas sensações favoritas é a de quando uma música me faz sentir nova ou faz crer que tudo é possível. Quando encontrei o Alexandre estava num desses momentos em que tinha encontrado uma canção do tipo que me fazia sentir cada momento como uma oportunidade única, fosse como a porta do impossível estivesse tão perto que eu pudesse ver sua luz, discreta e óbvia. O mais engraçado é que as ocasiões se encontraram, minha música e meu impossível.
E, nesse momento da minha vida, alguns meses depois, consigo visualizar que muitos impossíveis aconteceram de lá para cá. como se a música fizesse sala e abrisse ala para o que estaria por vir. Eu estava num tempo tão difícil e confuso, e não que ele tenha passado (talvez as confusões não passem, mas diminuam), com tanta coisa a pensar e também a me pesar. Com razão. O pecado é muito cansativo.
Naqueles dias uma imagem mental me perseguia: um lugar distante, eu comprando meu pão, dando bom dia a desconhecidos, um quarto com uma janela que dava para uma paisagem, árvores. Eis então minha paisagem de hoje, minha janela tão bonita, as árvores do meu quintal que agora sofrem com o gelo, com os ventos, e se amarelam como quem sabe que vai partir. E eu aqui vendo pelo vidro com todo meu cansaço de alma, como se estivesse em vários lugares ao mesmo tempo. Me dividindo entre as coisas reais e as minhas coisas, dentro de mim. Me sentindo perdida no que eu sou.
Antes de vir parar aqui eu pensava que a  paz viria com a mudança geográfica, Eu queria essa paz de estar distante, mas errei: nenhum lugar no mundo por nos dar a paz que desejamos, essa que aquieta o espírito na riqueza e na pobreza, na saúde e na doença, na alegria e na tristeza.
Salomão estava certo:

"O coração conhece a sua própria amargura,
e da sua alegria não participará o estranho." Provérbios 14.10

Quem é que me conhece e que pode se gloriar nisso? Temo que ninguém, senão o Senhor. E talvez seja esse o meu destino, essa solitude, esse rio turvo que estou sempre a tentar desvendar ou me desvencilhar. Queria eu, na verdade, esquecer-me de mim, mas seria a minha jornada?: ter de passar pelas águas turbulentas de mim mesma, pelo raciocínio confuso, pelas palavras incertas e imprecisas -- minha fonte de desgosto, pelo autoengano de criar razões que justifiquem as bobagens que eu quero fazer?
As pessoas são menos misteriosas do que parecem. Eu sou uma delas. E ainda assim meu mundo me parece tão desconhecido, eu, de fora tão desmistificada.
Tendo tentado nadar nessas águas confusas já faz um tempo... e nada me tem dado a paz que eu procuro e que eu mesma nem sei definir qual é. Espero uma paz simples para alguém complicado como eu. E espero essa paz agora onde eu estiver, pois não quero mais correr, afinal ela me tem conduzido pelos lugares mais improváveis e impossíveis, sem me pedir um protocolo ou um bilhete de entrada, sem me perguntar se estou pronta, sem desconsiderar a mim mesma mesmo quando não me pergunta.
A vida parece mais simples e sem mistério e também com menos possibilidades. Mas quem define o que é a vida ou que o ela nos dará? Deus é quem se move por caminhos misteriosos.


Hoje eu coloquei a música para tocar de novo e foi como se eu estivesse lá: naquele dia, na porta da faculdade, em que nada parecia factível, mas tudo era completamente possível, como se eu estivesse só a 15 passos da porta entreaberta. E foi.

Mesa para dois

Janta comigo essa noite e desfaz no tempo a conta das horas
Como se fora do mundo estivéssemos sentados
À ponta da lua ou no embalo das estrelas, senhoras do tempo.

Conversa comigo baixinho
Como fosse possível descobrirmo-nos tão pequenos,
Fora do espaço olhar o homem e a formiga num momento.

Escreve comigo os versos incompletos dessa noite,
Como se cartas dedicássemos a desconhecidos 
Esquecendo o lápis no meio de um riso, uma lembrança, um sonho.

Senta comigo essa noite e lê meu livro favorito,
Conta meus versos de trás para a frente.
Como me navegasse, águas tranquilas -- e te desenho,
para erguer nesses versos últimos algo não visto ou dito por ninguém senão por mim,
você, quadro na parede da minha jornada,
imagem que habita minha memória,
a quem as palavras parecem investigar, sereno.

Me dê a mão no fim da noite e descansa em mim
Como fosse o tédio, a alegria, o cansaço, a monotonia
Todos dádivas.
E agradeço 
Como acordasse todo dia às 6h bem-humorada
porque te vejo aqui, sentado comigo, numa mesa para dois em qualquer canto do mundo.
é manhã
e há muito já estou acordada.
passarinhos cantam
e a janela dá para o mundo.
olhando a janela eu volto ao
mundo dentro de mim.

é manhã
mas há muitas noites
já amanheceu
pois chegastes a sorrir
e o dia se levantou
e eu até penso em ressuscitar
aquela velha música
pra poder dançar nós dois.

descansa.
esquece o tempo e a distância.
nossas mãos ainda são novas
nossos pés não tão cansados.
eu ainda andaria muito até estar contigo
mas hoje começa a despedida.

é manhã.
desperta do sonho.

Sonho

Nada mais desgastante na vida do que o amor. O bom e o difícil. Amar o improvável.
Qual é, na verdade, o maior erro do amor improvável? É a esperança onírica. É essa certeza tão improvável quanto concreta de um futuro, um dentre muitos. O aspecto perene do vislumbre: uma possibilidade sem dúvida.

Como se colhesse favas,
Apreendo teus pequenos gestos
Quando perdes em minhas mãos 
Os teus olhos.
O horizonte é grande,
Nele está o teu olhar com as chamas da manhã ou do fim do dia,
E os meus olhos estão em ti.

Não há paisagem que eu queira ver sem tua presença,
E, no caminho para casa, sorrio para o nada
Porque dividimos o teto do mundo.

Quanta solidão banha meus primeiros versos: és apenas um sonho.
Nada mais desgastante do que o amor: lembrança onírica do inaudito e não vivido, uma quimera.

May it be

Tem uma música da Enya que diz:
"May it be your journey  on to light the day.

When the night is overcome you may rise to find the sun." Essa canção foi composta para a peregrinação de Frodo Bolseiro em O Senhor dos Anéis.
Eu penso em você quando a escuto. Assim como Frodo, tu também peregrinas agora em terras distantes de tua casa, vendo as sombras chamarem e as luzes brilhando. Em certos momentos uma se sobrepõe sobre a outra, não é? Para isso, há alguns outros versos dessa mesma música que seriam a mais comum oração que eu cantaria a Deus por ti:

"Mornie utúlië (darkness has come)
Believe and you will find your way.

Mornie alantië (darkness has fallen),
A promise lives within you now."
De fato, uma promessa cumprida vive agora em ti brilhando mais que todos os sóis mesmo quando você parece seco. E pode ser que venham muitas noites sobre a tua alma, mas para ti, para mim, para todos os que estão em Cristo: já nasceu o sol da justiça.
Acredite na promessa em contraposição aos seus sentimentos mais escuros, aos seus pensamentos mais desertos: a graça de Deus molha o mundo e fará nascer um dia novo sobre tua alma em meio ao caos.
Lembre-se também que "há mais coisas melhores à frente do que qualquer outra que tenhamos deixado para trás". Tua posteridade há de ser melhor no Senhor, que faz a luz entrar nas rachaduras de nossa vida.

Eu te conheci peregrino, e na tua alma peregrina eu me apeguei a ti. Constantemente me perguntava porque tu me parecias tão familiar como um parente amigo. E foi assim, com essa sensação comum que eu escondi de ti pelos últimos dias, meses e anos as coisas que aqui digo, numa noite comum e quente em nosso país, porque foi numa noite comum que revisitei essa história solitária para me despedir.
Entrei no chat do Facebook procurando por uma música que me mostraste há alguns anos atrás e nessa conversa reencontrei mais do que procurava, as lembranças: eu te mostrei minhas músicas favoritas, tu me enviaste tuas composições; eu te mostrei um poema; tu me contaste da tua vida.
Tu tocaste para mim quando eu estava triste, e em horas difíceis eu me lembro disso.
Poderia ter sido mais simples: nunca teríamos nos encontrado. Eu teria ido embora para a França no primeiro ano de graduação, não saberia teu nome.
Poderia ter sido mais comum: teríamos nos encontrado. eu te mostraria uma música, você me mostraria uma de volta, nunca mais nos veríamos.
Poderia ter sido da forma mais simples: eu teria te visto dançar, tu me tirarias para uma dança, dançaríamos juntos ainda algumas vezes.
Não foi da maneira mais simples: nasceu da maneira mais infantil. Eu no Brasil e você num lugar do velho mundo. O mundo ainda muito grande para mim. Ele ainda é grande para você?
O retorno ao Brasil. Uma namorada. Um fim. Outra namorada. Um fim. Minha tentativa de esquecer.
Vinham as peguntas alheias sobre com que tipo de pessoa eu gostaria de me relacionar e foi nelas que depositei minha tentativa de esquecimento: te diluí em minhas respostas. Te descrevia sem te nomear e tu nunca estavas lá. Haveria de aparecer alguém que me cativasse para que tua ideia fosse mesmo apenas uma ideia.
Um namoro. Um fim.
Mas a dor mais dolorida do último ano foi saber de tua partida. Não a queria, pois, de todas as distâncias, essa é a que mais me paralisa: que o teu último sorriso seja um memória que está ficando distante. Toda tua alegria ou tristeza já vão longe...
Não te deixei nunca saber de mim, mesmo que desconfiasse. Por que foste meu amigo? Tudo poderia ser mais simples: eu te procuraria pelas ruas sem saber teu rosto. Tudo me dói mais agora. Todas as distâncias são inferiores a essa que eu provavelmente irei enfrentar agora, pois é a última e encerra todas as outras temidas, imaginadas e - por que não? -, esperadas.
Não te deixei saber para me poupar das consequências: ainda queria ver teu riso na noite, tua silhueta, os olhos perdidos de alguém em quem vejo um garoto há 12 anos atrás face a um teclado e um rapaz à procura de um dia branco, se branco ele for.

Esse texto é para pedir perdão. Perdão pelo engano. Eu mantive esse engano. Quando soube que tu irias embora, me consolei de que tua ida adormeceria de uma vez por todas meus afetos. Me enganei. Te enganei. Em nome dessa esperança eu não fui verdadeira.

Esse texto é minha desistência. Nem sempre temos coragem de dizer a verdade a alguém, mas quando esse momento chega é importante dizer tudo que pode ser dito.
A amizade sempre foi sincera, mas os anos foram insinceros, pois me acompanha um lamento por não ser aquela que ouvirá teus dedilhados mais simples num piano bom ou num qualquer por aí pelo mundo...
Entendo que tu te afastes, não confies em mim e não me vejas como amiga depois disso. 
Outro dia sonhei contigo, e como brilhavas em uma manhã límpida! Sabes apenas uma parte do sonho.
O clube de leitura permanece intacto.
Sinto muito tudo isso e tua falta.
Num futuro próximo estarei melhor para um recomeço mais honesto e sem paixão, mas com a fraternidade límpida que nos é devida.

Esse texto é também a tentativa mais ousada de dar adeus a essa persistência através dos anos. Em minhas despedidas mentais, tu continuas agradável como aquela noite na orquestra à meia-luz; leve como a dança que tivemos em tua despedida.
E não te preocupes de nada. Ninguém sabe que esse texto é para você senão você mesmo.
Esse é o nosso segredo. May it be.

Até breve.


P.S.: You walk a lonely road. How far you are from home but a promise lives within you now.
Meu amor, meu querido,
meu perdido amor, 
minha oportunidade sem volta,
tudo está bem.

A dor ainda está aqui.
As lágrimas vêm e vão
e penso mal e bem de você,
mas o perdão virá para nós 
como as manhãs vêm dia após dia,
e nos encontraremos novamente para um sorriso.
Me lembrarei então do porquê me perdi em você
e seu sorriso acordará a chama antiga 
daquilo que nunca aconteceu.
Lembrarei do beijo que eu sempre quis te dar,
ali, numa mesa de sorveteria,
e também vislumbrarei a vida feliz 
que eu pensaria ter junto a ti.
Ouvirei em minha mente nossa última conversa 
e vai doer novo em mim,
mas não reprimirei a dor:
terei feito as pazes com o que há de humano em nós.
Ali, naquele lugar onde encontrarei
de novo teus olhos -- eu temo esse olhar --,
ali estaremos para a paz e no perdão
te pedirei perdão. Teus olhos, então, 
não me darão mais medo algum
e esta noite quente, na qual
ressinto a saudade de ti, terá valido a pena
como mais um dia na vida
de quem lida com a falta
de um amor nunca concretizado.