Faz uma tarde bonita hoje
tarde de despedida
agora que falta tão pouco
para fazer chorar meu coração.


Margens de caderno

Algumas notas caminham escondidas pelas ruas.
Notas de músicas que não se canta ou que se canta no zumbido do metrô.
Abafadas no barulho da condução, dos passos silenciosos e nos fones singelos e de cores mil.

Algumas notas flutuam pelos dias. Indefinidas ou inconformadas em suas disposições, vão se empurrando na cabeça dos homens, na minha vão e vêm.
Abafa essas notas, não são dignas de notoriedade.

Mesmo as mais honestas notas podem ser escondidas no coração dos homens tolos.

Uma nota porém não se silencia, seja em canção ou prosa ou disposta em versos: Cristo voltará. Hei de prestar contas.

Não te ensurdeça, minha alma, antes limpa os teus ouvidos. Cristo voltará. Tomará nota de meus feitos até desconhecidos. Tudo está diante dele sempre -- eu, porém, hei de estar não só naquele dia, mas eternamente.

Amo o Senhor.

muitos dias

ao homem com quem quero dividir
o teto da casa e do mundo
o chão
as estrelas
a água na geladeira
e o tempo que igualmente escorre das mãos

que tão constante se dão às tuas
e à pele que há em ti
laço embalando o que me cobre
imã dos meus passos que indo e vindo
contam e descontam as horas
para descansar-te em afago
enquanto nos entreolhamos juntos
fora do tempo.

Temporada

Descanso meu cansaço amigo
agora tão diferente
acompanhante de estações
em teu apoio, velha morada
dizendo o amor que carrego pelos outonos
e como saberia o que fazer
às folhas amareladas que
aos poucos caem quando venta
pouco e há silêncio às três.

Espero esse doce momento
mas quando te achegas nada se compara
à neblina constante que me inunda
enquanto tudo se ilumina ao redor
como a alvorada de um meio de ano
no cerrado, semelhante aos teus olhos.

Rio-me, derrotada.
Nego-me, ouço-te, aprendo teus traços
pincelo tua voz.

Fecham o outono os dias que se aproximam
o vento entrará pelas frestas,
eu estarei sozinha.
Pondo-te mais perto porém verás
que me reservo a pintar-te crepuscular sempre

impressionada de tuas cores e eternidade.

as mãos não sustentam o mundo

teus braços deslizam
o cimo dos cabelos que aos poucos cobrem meus ombros
escrevendo a alegria intensa da vida certeira

e eu não sei quando
o tempo existiu
porque quando me abraças
tuas mãos clareiam as estrelas

contemplo
amante das tinturas de sol
a imagem que habitará meus dias.