May it be

Tem uma música da Enya que diz:
"May it be your journey  on to light the day.

When the night is overcome you may rise to find the sun." Essa canção foi composta para a peregrinação de Frodo Bolseiro em O Senhor dos Anéis.
Eu penso em você quando a escuto. Assim como Frodo, tu também peregrinas agora em terras distantes de tua casa, vendo as sombras chamarem e as luzes brilhando. Em certos momentos uma se sobrepõe sobre a outra, não é? Para isso, há alguns outros versos dessa mesma música que seriam a mais comum oração que eu cantaria a Deus por ti:

"Mornie utúlië (darkness has come)
Believe and you will find your way.

Mornie alantië (darkness has fallen),
A promise lives within you now."
De fato, uma promessa cumprida vive agora em ti brilhando mais que todos os sóis mesmo quando você parece seco. E pode ser que venham muitas noites sobre a tua alma, mas para ti, para mim, para todos os que estão em Cristo: já nasceu o sol da justiça.
Acredite na promessa em contraposição aos seus sentimentos mais escuros, aos seus pensamentos mais desertos: a graça de Deus molha o mundo e fará nascer um dia novo sobre tua alma em meio ao caos.
Lembre-se também que "há mais coisas melhores à frente do que qualquer outra que tenhamos deixado para trás". Tua posteridade há de ser melhor no Senhor, que faz a luz entrar nas rachaduras de nossa vida.

Eu te conheci peregrino, e na tua alma peregrina eu me apeguei a ti. Constantemente me perguntava porque tu me parecias tão familiar como um parente amigo. E foi assim, com essa sensação comum que eu escondi de ti pelos últimos dias, meses e anos as coisas que aqui digo, numa noite comum e quente em nosso país, porque foi numa noite comum que revisitei essa história solitária para me despedir.
Entrei no chat do Facebook procurando por uma música que me mostraste há alguns anos atrás e nessa conversa reencontrei mais do que procurava, as lembranças: eu te mostrei minhas músicas favoritas, tu me enviaste tuas composições; eu te mostrei um poema; tu me contaste da tua vida.
Tu tocaste para mim quando eu estava triste, e em horas difíceis eu me lembro disso.
Poderia ter sido mais simples: nunca teríamos nos encontrado. Eu teria ido embora para a França no primeiro ano de graduação, não saberia teu nome.
Poderia ter sido mais comum: teríamos nos encontrado. eu te mostraria uma música, você me mostraria uma de volta, nunca mais nos veríamos.
Poderia ter sido da forma mais simples: eu teria te visto dançar, tu me tirarias para uma dança, dançaríamos juntos ainda algumas vezes.
Não foi da maneira mais simples: nasceu da maneira mais infantil. Eu no Brasil e você num lugar do velho mundo. O mundo ainda muito grande para mim. Ele ainda é grande para você?
O retorno ao Brasil. Uma namorada. Um fim. Outra namorada. Um fim. Minha tentativa de esquecer.
Vinham as peguntas alheias sobre com que tipo de pessoa eu gostaria de me relacionar e foi nelas que depositei minha tentativa de esquecimento: te diluí em minhas respostas. Te descrevia sem te nomear e tu nunca estavas lá. Haveria de aparecer alguém que me cativasse para que tua ideia fosse mesmo apenas uma ideia.
Um namoro. Um fim.
Mas a dor mais dolorida do último ano foi saber de tua partida. Não a queria, pois, de todas as distâncias, essa é a que mais me paralisa: que o teu último sorriso seja um memória que está ficando distante. Toda tua alegria ou tristeza já vão longe...
Não te deixei nunca saber de mim, mesmo que desconfiasse. Por que foste meu amigo? Tudo poderia ser mais simples: eu te procuraria pelas ruas sem saber teu rosto. Tudo me dói mais agora. Todas as distâncias são inferiores a essa que eu provavelmente irei enfrentar agora, pois é a última e encerra todas as outras temidas, imaginadas e - por que não? -, esperadas.
Não te deixei saber para me poupar das consequências: ainda queria ver teu riso na noite, tua silhueta, os olhos perdidos de alguém em quem vejo um garoto há 12 anos atrás face a um teclado e um rapaz à procura de um dia branco, se branco ele for.

Esse texto é para pedir perdão. Perdão pelo engano. Eu mantive esse engano. Quando soube que tu irias embora, me consolei de que tua ida adormeceria de uma vez por todas meus afetos. Me enganei. Te enganei. Em nome dessa esperança eu não fui verdadeira.

Esse texto é minha desistência. Nem sempre temos coragem de dizer a verdade a alguém, mas quando esse momento chega é importante dizer tudo que pode ser dito.
A amizade sempre foi sincera, mas os anos foram insinceros, pois me acompanha um lamento por não ser aquela que ouvirá teus dedilhados mais simples num piano bom ou num qualquer por aí pelo mundo...
Entendo que tu te afastes, não confies em mim e não me vejas como amiga depois disso. 
Outro dia sonhei contigo, e como brilhavas em uma manhã límpida! Sabes apenas uma parte do sonho.
O clube de leitura permanece intacto.
Sinto muito tudo isso e tua falta.
Num futuro próximo estarei melhor para um recomeço mais honesto e sem paixão, mas com a fraternidade límpida que nos é devida.

Esse texto é também a tentativa mais ousada de dar adeus a essa persistência através dos anos. Em minhas despedidas mentais, tu continuas agradável como aquela noite na orquestra à meia-luz; leve como a dança que tivemos em tua despedida.
E não te preocupes de nada. Ninguém sabe que esse texto é para você senão você mesmo.
Esse é o nosso segredo. May it be.

Até breve.


P.S.: You walk a lonely road. How far you are from home but a promise lives within you now.
Meu amor, meu querido,
meu perdido amor, 
minha oportunidade sem volta,
tudo está bem.

A dor ainda está aqui.
As lágrimas vêm e vão
e penso mal e bem de você,
mas o perdão virá para nós 
como as manhãs vêm dia após dia,
e nos encontraremos novamente para um sorriso.
Me lembrarei então do porquê me perdi em você
e seu sorriso acordará a chama antiga 
daquilo que nunca aconteceu.
Lembrarei do beijo que eu sempre quis te dar,
ali, numa mesa de sorveteria,
e também vislumbrarei a vida feliz 
que eu pensaria ter junto a ti.
Ouvirei em minha mente nossa última conversa 
e vai doer novo em mim,
mas não reprimirei a dor:
terei feito as pazes com o que há de humano em nós.
Ali, naquele lugar onde encontrarei
de novo teus olhos -- eu temo esse olhar --,
ali estaremos para a paz e no perdão
te pedirei perdão. Teus olhos, então, 
não me darão mais medo algum
e esta noite quente, na qual
ressinto a saudade de ti, terá valido a pena
como mais um dia na vida
de quem lida com a falta
de um amor nunca concretizado.