desencontro

Eu vi um homem na sala do departamento apresentando seu mestrado. Sua mãe, seu irmão, seus amigos prestigiando. Vi também os professores, em parte conhecidos meus, com quem tive aula, por quem pude confiar no que ouvia num tempo da vida.
Eu vi um homem sentar-se durante quatro meses na mesma mesa e pedir as mesmas coisas nos mesmos dias repetidos e em nada repetidos a cada semana. Vi a atendente tornar crônica aquela situação e também surpresa dele ao descobrir sua rotina. Complacência e preferência não são coisas que se premeditam.
Eu vi um homem que viajava pelo Peru, fotografando o Machu Picchu, com uma câmera na mão. Sua cara de descoberta na vida não tinha preço. Eu podia ter tirado uma foto, mas algumas coisas não cabem nas fotos. Guardei comigo suas feições de busca e desencontro e segui a vida.
Eu vi também um homem no show de um ex-Los Hermanos. Ele parecia contente e sereno, como alguém que sente a idade e descobre os tesouros retidos com os anos que passaram. Talvez estivesse perto dos trinta. Eu o vi, mas como as noites não duram eternamente, nos fomos sei lá por quais caminhos.
Eu vi um homem na capital de minha mocidade, dando aula numa sala abarrotada de pessoas; uns alunos, outros não. Seus olhos, os do homem ao quadro, eram banhados de uma cor viva e sua fala abafada por umas notas graves que confirmando calma e segurança. Tinha a segurança daqueles que estão certos de que podem sempre mudar. Os olhos das meninas também brilhavam, e enquanto eu passava pude concluir que nem sempre é tão impossível que dois astros estejam tão perto antes do meio-dia em maio.
Eu vi um homem na cidade de meus sonhos. Ao lado da foto da personagem de um dos filmes que mais gostava, num restaurante aconchegante; eu o vi ali, onde outrora seria meu lugar. Mas seus olhos sabiam da superfície. Imaginei-me nele e pensei que aquela cidade não lhe seria o suficiente. Como tivesse me dito, eu viajei por onde ele viajou, mas ele não era o mesmo e eu também não sou, eu já não era. Ele desmediu esforço e vigor, cansaço e espaço e eu vi o tempo se desfazer sem me mover. Nada do que me fora dito subsistiu ao ver seus olhos de novo, agudos de luz amarelo-queimada do sol que bate, único, no horizonte do planalto. Finalmente pensei ter visto seu sorriso para mim.
Mas o sonho se foi sem acordar.
Eu vi um homem na esquina, parado, num elefante. Mas eu passei, ele seguiu, nós partimos. Deixei aquele homem. Ele nunca me viu. Não nos conhecemos.