os bons começos

um passo, dois passos
e me sorris como brilha o azul
dançamos a vida entre a mobília da casa
e o som de risadas irmãs

mais dois, quatro passos
estou rindo junto a ti
e as palavras voam como voa
o sonho, antigo amigo
como tu te tornas agora

tu me abres uma janela,
então respiro
fica leve a lida
os livros ficam esquecidos
no canto, caminho distavam
agora convergem
e habitamos juntas o amor amigo, proverbial,
doado e dado de presente
nascido nas mãos de um amor já existente.

alva manhã

viajante das horas
buscando naquele lugar da memória sempre
lembrar-te, eterna
deveras penosa é a partida constante
e um adeus repentino
sempre esperado, mas cansado de tua distância

porém, logo te apresentas,
bela e única como sempre
e esqueço a demora antiga
de tua ausência, uma lembrança instante
porque habitas naquela casa azul
e brincas com a luz e as crianças
num dia como hoje,
em meu coração.

sincera partilha

Já faz uns dias
ou os dias fazem em mim
mais comum ter um coração partido
e menos doloroso ainda que dorido

Já faz uns dias
as anotações estão perdidas
e sem irmandade entre as coisas
os versos não encerram alegria

Já faz uns dias
não sei mais quanto tempo
que eu apenas gostaria de olhar as paisagens
e dizer: obrigada, meu Deus.

ventana e tombadilho

Habitando o mais distante dos meus dias está o vão do tempo entre nossos olhares; sorrisos distantes e mãos mais ainda. Deitei o braço cansado sobre o braço do sofá sentindo o descanso da solidão, coisa de quem se sente alheio até mesmo no seio familiar, afastado de coração, mobília fora de lugar no contexto de alguém cuja organização é perfeccionista.
Da janela, a tarde também se deitava e as memórias avançavam: tal é a água que cobre a ilha no fim do dia e eu afundo. Tudo cabe nesse breve espaço de sentimento cansado e perdido aos poucos. Penso residir nisso a tardia maturidade, em não abandonar o oco sentido de perguntas sem fim. Empecilho dos demasiado sensíveis: eles mesmos.
Mais um momento, e a estranheza própria. Mas eu não sei bem conviver com estranhos, então mergulho a descobrir novamente. O vão se abre mais um vez sobre o crepúsculo.
Quando amanhecerá? Aliviada por isso não depender de mim. Não determino meus passos.

Bebê Borgiano

Tu me dás um filho
e também tua mão estendida
e caio nela
em teus braços comedidos
tu e o mundo
cancela aberta
anelo pequeno, semente
girassol, dolce far niente.

áspero retorno
dançam flores e mãos
e agora nariz
com teu bico teimoso
correndo tu choras
e te abraço.

antigo tempo
inscrito da pele
se forma um de nós
e nos entrelaça para sempre
e tu revives.

desenho de areia

olha e vê
que eu te desenhava entre lírios e sol
teu pano de fundo era céu
no tempo do sonho moravas em mim
último verso meu

mas logo te animas tal
qual pássaro
e voas como sobe a alvorada
teu dia é há muito pleno
e eu descanso os olhos no teu brilho

Enquanto tu me cercas
na surpresa da rara chuva doce
canto singelo de tuas palavras:
teus passos
longínquo, uma miragem
tu desces à falésia
e as ondas batem o teu adeus
então desperto.

Tive pouca vida em muitos anos
E há dias isso me ocorreu.

Enquanto o farol desliza no vidro
Olho a cidade anoitecer
Como um cansaço já conhecido

Tive muita vida em poucos anos
E não há nada que termine esse dito.

Viver é ser livre....
Como é difícil deixar a escravidão.
Não quero mais cebola e alho da antiga terra.
O instante é um desconhecido comum.

ousada paz

o braço do vento abraça
o silêncio do anil
que para nos meus olhos
e por um momento eles são irmãos

assim, por um momento,
o seu azul abraçou minha alma
e como fosse areia, tu construíste um castelo
morada celeste fraterna
na terra do meu coração

se o sol me sorrisse, seria sempre
o sorriso puro e largo no qual floresce
esse afeto vindo de Deus
cantando tua amizade

amiga do meu azul,
enquanto ferida por sagradas palavras
curaste meu coração,
(brisa suave, dos sonhos - esperança inaudita)
pintando-o nas cores da minha alegria: Cristo.


na tua companhia caminho o eterno e agradeço.

pequena fortaleza

nasce uma manhã em maio
dois passarinhos enfeitam o outono
levanta o sol  em seus tons vivos
vindo de encontro aos meus olhos
então de ti me lembro

a alegria desposou teu sorriso
bem-aventurada
amiga de minha alma
repouso no descanso das águas
para além das pontas do ocre avião

tens uma alma com anseio do descanso
mas, desde já, acalma:
estás retornando ao lar
e a todos quanto encontro, digo:
tu vais dançando.

AO SEGUNDO HOMEM

Cristo, minha esperança
Nome pelo qual
meus lábios dançam sorrisos
E pelo qual meus olhos caminham o horizonte do eterno.
Cristo, minha alegria
Toda a minha vida
A altura imerecida da minha existência
A graça antes desconhecida e sempre viva
A única riqueza que de fato tive
Ele: todo o meu azul.

sem ombros

A soberba prepotência de minha alma me fez perceber que eu queria ser livre de mim mesma. Contudo, como é difícil desprender-me! Eu observo a dor e ainda agora me faltam alguns azuis ou um céu ensolarado. Quando tudo nos escapa das mãos, quanto tempo mais demoramos para perceber que na verdade nunca tivemos  algo? Não fomos feitos para o peso de nossas cargas.
A vida é forte, uma força que evidencia ainda mais nossa fraqueza. Como preguiçosos, somos guiados pelo querer, e indispostos ao desprazer das coisas. Nada nos veste, como roupas molhadas em dias de chuva, no ônibus abafado. Nos fazemos companheiros da tristeza e de repente: só o coração bate. A vida está às escuras. Dizer-me que já não quer abrir a porta é escuridão. E de fraqueza em fraqueza vai dormindo...
Sem sua plenitude, a vida é só mistificação.

Rabisco de sonho

Um pincel te colore
 Nas cores do céu
Em existir o sempre.

Tu existes para além daqui
E de longe te avisto
Em despedidas de contido
ensaio de não-dizer.

Por teus olhos
Clarões de vida
Me atravessam
E passos me conduzem
A descansar em teu encanto,
Refúgio de ser.

Pequenos versos
A minha alma te dedica
De sempre em vez.

Da memória em uma cor

Pintei-te em azul -
Sobre os sopros do teu ofício -
Uma brisa afasta a cortina
E no espaço da janela
Avisto teu sorriso.

Quando és todo presença
Demoro minha vida
Perene guarida
De um céu sem nuvens.

Sobre os presentes espalhados
Sorri-me um então, amigo
Doce sussurro de Deus,
Dos sonhos, vivido
A linha azul da indizivel
Feitura na qual se debruça
O nosso tapeceiro.