passado

tentei começar a escrever algo que não sabia como começar. daí percebi que começaria com uma confissão, como de costume.
houve um tempo da vida em que algumas pessoas eram mais felizes, em especial 2 professores que tive, casados até 2015.

esses dois professores, por algum tempo, me lembraram do amor que eu tinha pela leitura e graças ao que eles expunham em sala ou em reuniões é que eu consegui ler alguns títulos, talvez os melhores em muitos anos, que li enquanto sofri depressão.
eu ainda sou uma pessoa de faltas, tanto feitas como sentidas, ausências. e sinto muita saudade do tempo em que os pude ouvir, o tempo em que eles mesmos se ouviam e viam ali entre os graduandos. sinto falta da união, do resquício de uma juventude dividida entre leituras e beijos e promessas de livros e o mundo para conhecer.
minha vida foi muito sofrida naquele período e, claro, tive outros sofrimentos mais difíceis do que a depressão, mas desses professores eu lembro com muito afeto, e muito afeto guardado.
eu sempre me perguntava como ficaram os sentimentos deles depois da separação, principalmente com relação à vida, se as coisas tinham voltado a ter graça ou se tinham perdido um tom, tendo ficado um pouco menos luminosas. aqui, às vezes, tudo parece impossivelmente ocre. a vida é mais iluminada com a alegria de quem não teve grandes cismas.
meu último namoro me deu um espaço bom e grande para a expressão da melancolia, e também para o desaparecimento de parte dela. quase não sinto saudade da grande capacidade que eu tinha de me debruçar e encabeçar momentos de espiral descendente, mas, hoje, quando li um texto de um desses meus professores, dei falta da melancolia daquela época em que estudamos, mas esse era um tipo de sensação que só a literatura até hoje conseguiu me permitir acessar. não sinto saudade daquele tempo pois foi uma época terrivelmente complicada para alguém sem diagnóstico enfrentar, mas sei reconhecer que muito do que aprendi -- inclusive a não amar a tristeza -- me ajudou mais tarde, quando sofrimentos mais difíceis vieram.
senti falta daquela época hoje porque lembrei que de como conservava ainda um amor bem mais intacto pela leitura. naqueles dias, a paixão era ainda comum e qualquer coisa era um bom motivo para escrever, relacionar textos ou ler algo.
a separação deles abalou parte da minha trajetória, visto que eu estava passando por estados emocionais semelhantes por um tempo e porque a tristeza deles era bem perceptível. ainda me pergunto como ficaram os afetos. sempre estou me perguntando se na secura de Brasília os amores não acabam morrendo e como isso acontece, porque deixar de amar é quase tão difícil quanto escalar a parede de musgo do luto.
eu mesma já não sou tão alegre quanto era: vieram as coisas que eu queria e eu percebi que crescer não era muito fácil e amar também não. “leva um tempo para extrair alegria da vida”, eu ouvi num filme. agora, algumas coisas melhoram: rio mais das minhas muitas faltas e da imprevisibilidade da vida, da incoerência ordinária e, vivendo sozinha, recupero algumas coisas que tive na infância e perdi em algum momento, como o amor pelos Trapalhões. alguns anseios antigos se tornaram mais claros, como o anseio pela verdade, o questionamento da beleza e o esforço intencional do amor.
os amigos parecem mais sérios, alguns mais leves -- a quem a vida adulta foi se aproximando como uma luva sob medida. eu pareço mais séria também, e sou. lembro de meus professores, da tristeza, da tentativa de ver uma nova vida várias vezes sobre finalmente o nascer de um novo dia em minha alma. contudo, ainda penso em seus amores que de fome morreram… como alguns meus também, o que não é ruim quando você está aprendendo a deixar de amar o mal.
não me entristeço tanto como outrora, a melancolia precisou perder terreno para a vida e a saúde continuarem. agora, talvez, eu saiba melhor aproveitar o momentos assim, que vêm em menos quantidade e são menores em duração, mas a memória nunca se vai: eles vindo no corredor, no ano da Copa, ela de verde, cabelo curto, radiante como uma manhã de sol sem seca; ele, meio tímido, um pouco impassível e formal, mas sempre com uma cara de juventude que está longe de perder o frescor.